quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Quero falar de uma coisa...

Faz tempo que quero falar sobre uma 'coisa'... E agora me veio uma música do Milton que, por sinal, tem tudo a ver com essa coisa, que convivo já há tanto tempo, mas ultimamente, em especial nos últimos dias, acordei e dormi pensando nela: Inclusão. 

Falam de Inclusão "Social", mas eu falo de Inclusão na Vida. Porque sem poder estudar, trabalhar, locomover-se, divertir-se, alimentar-se... quando não se pode fazer essas coisas básicas, então não se vive. E somos todos humanos e evoluídos, mas sabemos que nossa história é intercalada por várias atrocidades, aberrações e, porque não dizer, maldades. Exemplo disso pintado pelo Holocausto, quando tivemos milhares de vidas delimitadas ou exterminadas, simplesmente por não pertencerem a determinado círculo da população. Esse episódio, assim como outros horrorosos, como a queima às "bruxas", a tortura na ditadura militar brasileira ou a barbárie realizada nos antigos sanatórios, enfim, muitos erros cometidos devido a intolerância entre seres humanos ficaram para trás, como capítulos vergonhosos da história. No entanto, nossa essência nos trai, desmente essa índole de civilidade que a modernidade nos contempla. Trai-nos quando precisamos de uma lei para que se concretize algo que deveria ser espontâneo e natural, sendo esta a Lei 13.146/15, a LBI, ou simplesmente, Lei de Inclusão. E devido a todo o burburinho, reorganização e polêmica envolvidos, resolvi justamente falar sobre essa coisa que deveria estar, como na canção, dentro do peito de cada homem e mulher desse planeta, isto é, se quisermos realmente um mundo para todos.

E o que Holocausto tem haver com Inclusão? Antes disso, vou relembrar das minhas aulas na Arquitetura. Foi lá que ouvi pela primeira vez o termo "Desenho Universal" que , praticássemos ou não, nos acompanhava a cada disciplina, e havia sempre aquela busca ideológica do "Espaço para todos", ou para o máximo possível. Resumindo, o que eu entendia, é que mesmo que não conseguíssemos em algum momento contemplar o todo, mas que fizéssemos o nosso máximo para alcançá-lo. Na prática, para você que não é arquiteto, explicarei grosseiramente a teoria do Desenho Universal: Pense na maçaneta da porta. Ela deve está há determinada altura do chão, onde todos conseguem alcançar e acessar o ambiente que ela guarda, o que seria aproximadamente 1,00 metro. Mas se ela tivesse há 1,60 da soleira, por exemplo, eu que tenho essa mesma altura ainda conseguiria manipulá-la, no entanto, minha filha de apenas 1 metro, não. Portanto, a altura padrão das maçanetas nas portas seguem o princípio de desenho universal, onde a grande maioria das pessoas são capazes de utilizá-la. Mas essa maioria, não é uma estimativa puramente numérica. Ela deve ser pensada com inteligência, coerência e justiça. Eu devo contemplar não simplesmente a "maioria", mas a maioria "possível", deixando de fora apenas o impossível. Por isso, eu quis citar o Desenho Universal depois de citar o Holocausto, e antes de falar sobre Inclusão.

Incluir alguém na sociedade é simplesmente SEGUIR a teoria do Desenho Universal e REPELIR (totalmente) a teoria do Holocausto.

Nós não queremos uma escola (ou praça, restaurante, museu, igreja) apenas para brancos, loiros e de olhos azuis. 

Já pensou se te privassem de entrar no cinema devido a algo que te foge do controle, tipo, por você ter olhos cor de mel? É uma analogia ridícula, mas serve para entender que é algo que nasceu com você, na qual te falta o poder de mudar, e que te caracteriza como pessoa. E de repente vem alguém e institui que essa cor de olhos é uma minoria e pode ficar de fora.

Agora vamos para a realidade: em vez de olhos cor de mel, tua característica é ser obesa. Daí você não entra no cinema simplesmente porque seu quadril não se acomoda no assento da sala de cinema. A inclusão deve fugir de julgamentos ou hipóteses, ela deve simplesmente incluir e pronto. Portanto, nem precisamos julgar se aquela pessoa obesa assim o é, por compulsão ou genética, ela deve ter o direito de viver, e isso inclui assistir um filme no cinema. Da mesma forma devemos ter prédios com rampas ou sistemas mecânicos de locomoção entre seus pisos, para que um cadeirante, um idoso, ou simplesmente o carrinho de bebê possa conviver de seus espaços. E qual a dificuldade de se colocar um quadro de rotina na parede da sala de aula, a fim de que o aluno autista possa se organizar melhor? Acaso este quadro atrapalharia os não-autistas? E a rampa, atrapalharia os que podem utilizar escadas? E o assento maior, dificultaria a ocupação por alguém magro? E seria muito difícil trocar a marca do pão da merenda escolar para aquela que não tem leite e contempla a criança alérgica? Não. No máximo, essas atitudes demandam um pouquinho mais de empenho, um tantinho mais de espaço, e um montante maior de amor ao próximo. Enfim, incluir é fácil. Não deveríamos necessitar cursos de Inclusão, como tanto tem sido propagado, mas infelizmente, precisamos. Mas que fique claro, que o primeiro item desse curso deveria ser "ponha-se no lugar do outro" e "amanhã, você pode ser a minoria que precisará ser incluída".

Agora, deleitem-se nas letras daquela canção que me veio na lembrança, sabendo que INCLUIR é o nome certo desse amor.

Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor

Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Tantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê flor e fruto

Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, plantas, sentimento
Folhas, coração, juventude e fé
(CORAÇÃO DE ESTUDANTE -  Milton Nascimento e Wagner Tiso)




Links:

Nenhum comentário:

Postar um comentário