sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O difícil desafio de se caminhar junto.

Estava procurando uma imagem para a publicação e achei que este
desenho do meu filho ilustra bem o tema: Personagens do joguinho Cut the Rope.
Todos são bem diferentes, cada um com sua habilidade, capaz de ajudar o herói na
conquista de seu objetivo: um doce, que geralmente está preso a uma corda, e é preciso
cortá-la, para que o doce seja saboreado. Os heróis, somos todos nós. As cordas são nossas
limitações, que podem ser superadas com as habilidades dos amigos, e o doce, claro, 
é a conquista da vida, seus saberes e prazeres.

Hoje eu vou falar novamente de Inclusão, porque preciso defender um ponto de vista, mesmo correndo o risco de ser mal interpretada. Em outras palavras, quero falar sobre os desacordos entre os passageiros de um mesmo barco. Acho importante  pensarmos que pode existir egoísmo, ironicamente, por parte também daqueles que lutam contra as políticas excludentes.

Existem "N" tipos de deficiências hoje em dia, cada uma tem sua variante e suas necessidades específicas. Até mesmo dentro de uma mesma patologia existem essas variáveis (como é o caso do autismo), o que torna a solução dos problemas de inclusão social cada vez mais complicado. Exemplificarei para melhor entendimento, narrando uma história "de faz de conta"...Ela acontece numa escola, até porque o ambiente escolar sempre será o melhor exemplo de convívio social. É a amostra mais próxima da realidade e, acertadamente, a primeira experiência humana de convívio e relacionamentos entre diferentes classes.
Era uma vez, uma escola que sempre acolhia todas as formas de ser diferentes, em todas as variáveis físicas, psíquicas, religiosas, étnicas, antes mesmo que houvesse leis que assim estabelecesse. A metodologia, a filosofia e ideologia apoiava a diversidade, mas ela (escola) não acompanhou a evolução do processo de direitos de todos, inclusive os dos deficientes que ela tão desbravadamente recebia, e eram muitos! Havia crianças com doenças neuro-muscular, com Síndrome de Down, com deficiências de locomoção, autistas dos mais diferentes níveis de severidade, e em muitos deles, inúmeras outras comorbidades. Naquela instituição convivia-se com a diversidade desde os primeiros anos, e apesar de todas as peculiaridades de humanização que eram proporcionadas, alguns direitos eram negados e algumas políticas ignoradas. Até que um dia surgiu uma Lei que dizia assim: "A partir de hoje, fica decretado que toda escola deve proporcionar a acessibilidade dos alunos com necessidades específicas devido a deficiências, possibilitando a estes o direito de alimentar-se de todas as opções de alimento, transitar em todos os espaços de estudo, participar de todas as atividades de aprendizado e recreação". E essa tal lei mudou tudo, porque no dia seguinte, todas as mães se manifestaram revindicando mudanças, e a escola por fim tentou agradar a todos.
Primeiro mudou o cardápio da escola tirando todos os ingredientes que tinham leite de vaca, o que deixou as mães de crianças com alergia alimentar muito felizes, porém, a mãe do que não comia quase nada, ficou revoltada, pois o mingau de farinha láctea e o sanduíche com queijo eram os únicos itens que ele aceitava bem;
Segundo incentivou a capacitação dos professores para os transtornos do espectro autista, o que resultou uma série de adaptações metodológicas na rotina em sala. Foi o bastante para que algumas mães questionassem as mudanças por acharem que procedimentos desenvolvidos para autistas não serviam para crianças "normais";
Finalmente, iniciou o processo de implantação do elevador para que as crianças com dificuldades de locomoção pudessem acessar o piso superior. No entanto, isso demandou aproximadamente 60 dias dentro do período letivo, durante o qual, as turmas com cadeirante foram relocadas para o piso térreo, na única sala possível, pois todas as outras estavam ocupadas, sem possibilidade de serem alteradas. Mas a experiência não teve sucesso pois as crianças autistas ficaram extremamente agitadas e dispersas na nova sala, devido às características de espaço, conforto ambiental e acústica.
Concluindo, todas as medidas geraram polêmicas, discussões, reuniões devido ao descontentamento dos pais de alunos. A satisfação de um causava a angústia em outro. 
O que seria necessário para essa história ter um final feliz?  
  • Compreensão da realidade; 
  • Parceria nas dificuldades; e 
  • Tolerância nas diferenças.

Para que a Escola enfim tivesse paz, precisaria que a mãe triste pelo cardápio sem leite entendesse que o filho dela poderia continuar comendo o que quisesse nas outras cinco refeições do dia; e que a mãe chateada com as alterações desenvolvidas em função dos autistas se informasse melhor sobre essas crianças, descobrindo que muitas são até mais inteligentes que o filho "normal" dela; precisaria também do "meio termo" por parte das mães de alunos com autismo e das mães dos cadeirantes, onde cada lado cedesse um pouco.

Essa história sai da Escola, vai pras ruas, para as redes sociais, transita no mundo. Não importa a necessidade que alguém tenha, se envolve uma futilidade ou uma luta humanitária de classes, de etnias, de religiões, de miseráveis, de homossexuais, de mulheres, de deficientes... por mais que uma dificuldade te sensibilize das demais, você SEMPRE vai priorizar a você mesmo, ao seu filho, ao seu ente querido, e vai passar por cima da necessidade do outro (muitas vezes, sem perceber), porque a diversidade é "diversa", se choca, se encontra, perpassa... E para ter paz na vida, assim como na escola, é preciso parar por um minuto. Parar, olhar em volta, pensar, ceder. Ceder aqui é sinônimo de tolerar. E por mais que uma Lei decretada te assegure um direito, antes de abri-la em seu peito, tente usar o seu bom senso de humanidade, tente "parar-observar-pensar-ceder"... Você verá que, ocasionalmente você pode dispensar sua vaga prioritária de estacionamento e exercitar-se um pouco por um caminho mais longo; que nem sempre você vai precisar ganhar inimigos para conquistar a implantação de uma rampa; que em algum momento sua bicicleta poderá desviar do carro parado na ciclo-faixa enquanto descarrega as compras na porta da casa dele, e você poderá seguir feliz sem precisar xingar o motorista nem publicar a foto dele na internet; e que você poderá aproveitar as imprevistas alterações na rotina escolar para ensinar seu filho autista que ele pode superá-las e adaptar-se...

É isto que eu queria trazer neste texto, que SIM, precisamos lutar pelos nossos direitos. Mas muitas vezes, a conquista destes, faz com que as pessoas passem por cima de outras, por um único motivo... Elas focam tanto no objetivo, que esquecem de observar o entorno, o caminho e as pessoas que caminham ali naquela mesma estrada. Sua necessidade não deve te marginalizar perante a sociedade, mas também não te torna o mais importante nem o mais frágil.

Todas as diferenças são benéficas numa sociedade democrática, e estamos apenas nos primeiros estágios do aprendizado para superar as dificuldades e integrá-las sem preconceitos, sem mitos, sem crimes e sem vítimas.

2 comentários:

  1. Sempre me surpreendo com o que você escreve. Pelo fato de enxergar todos fatos, todos os detalhes, todos os lados. sem falar na sensibilidade.

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    1. Ah Jane, obrigada... que bom, às vezes tenho medo do que escrevo..é como se eu me despisse, e nem sempre as pessoas vão gostar do que vêem... rs QUe bom que vc gostou. Obrigada

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